segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

 

Adorável vagabundo, o pensamento do filósofo Karl Marx e o ócio criativo, muito além da contemplação e o comunismo muito antes de Marx.

Genaldo Luis Sievert, glsievert@gmail.com

1903; Taylor em um congresso na cidade de Saratoga realiza uma exposição sob o título de Shop Management. Ali declarou que entendia que a maioria dos trabalhadores parecia afetada por uma “indolência natural”, mas ressaltou, também, que há uma vasta categoria de indivíduos que não precisa de qualquer imposição para realizar uma tarefa em um determinado prazo.

Esta primeira inserção foi elaborada a partir da obra Criatividade e Grupos Criativos, de Domenico de Masi, sendo que esta foi lida por volta de 2012. E por que está no contexto? Porque ao postar um pensamento de Karl Marx em um Grupo de Estudos, o ilustre pensador e filósofo foi taxado como “vagabundo”. Até ai nada de surpreendente visto que o ócio e contemplação são elementos fundamentais para um filósofo, além, é claro, de uma boa dose de criatividade.

O pensamento postado foi o que segue:

Os filósofos não brotam da terra como cogumelos, eles são frutos de seu tempo, de seu povo, cujas forças mais sutis e mais ocultas se traduzem em idéias filosóficas. O mesmo espírito fabrica as teorias filosóficas na mente dos filósofos e constrói estradas de ferro com as mãos dos operários. A filosofia não é exterior ao mundo. (Karl Marx, Kolnische zeitung, 1842).

A intenção, aqui, não é realizar uma defesa sobre a situação, apenas a de traçar um paralelo sobre o que filosofou Karl Marx e o que viríamos a conhecer com o surgimento da Teoria Cientifica realização do trabalho desenvolvido por Taylor e publicada em 1911.

Firmadas estas primeiras considerações vamos para uma citação de Domenico De Masi: “ Há anos que releio com renovado espanto aquelas dez geniais pequenas páginas com as quais, com apenas 26 anos, Marx enfrentou a relação entre trabalho e trabalhador, em Os Manuscritos Econômicos-Filosóficos, de 1844. O Trabalho a que Marx se referia era o trabalho operário das nascentes industrias manufatureiras, a fadiga brutal dos operários nas fábricas movidas a vapor e pelos músculos humanos, onde o trabalhador era considerado somente “como soma de trabalho, como um animal, reduzido às mais elementares necessidades da vida”... [...] ao reler aquelas poucas páginas em que foi antecipada e como que liofilizada toda a gigantesca construção marxista que se seguiu, sempre acabo me perguntando quais e quantas considerações preciosas ele teria deixado como legado se tivesse vivido no nosso tempo e tivesse enfrentado o trabalho intelectual, nem mais familiar, para ele, dos trabalhadores do conhecimento [...].

Pontua ainda o Mestre De Masi que Marx analisou duas determinantes: a diferença entre homens e animais e a diferença entre trabalhadores empregados e trabalhadores autônomos.

Marx: “O animal constrói apenas segundo a medida da necessidade da espécie à qual pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medida da necessidade de todas as espécies, e sabe dispor previamente onde quer que seja a medida inerente àquele determinado objeto; assim, o homem constrói ainda segundo as leis da beleza”.

De Masi entende que Marx vislumbrou a importância do ócio criativo, visto ter Marx afirmado que “o homem produz verdadeiramente só quando está livre da necessidade física”. Para De Masi, Marx antecipa em um século a Bertrand Russell – “Sem uma classe ociosa, a humanidade jamais teria se erguido da barbárie”, bem como quanto a Koyré – “Não é do trabalho que nasce a civilização: ela nasce do tempo livre e do lazer”; ou ainda conforme Le Corbusier – “O espírito criativo se afirma onde reina a serenidade”; e para ele ainda (De Masi), antecipa ainda mais a doutrina social da Igreja, que só com a Populorum Progressio, de Paulo VI (1967), viria a dizer que “o trabalho é humano só quando se torna inteligente e livre”.

Marx demonstrou estar preocupado com as mazelas e a exploração do trabalhador; a sociedade em que vivia ainda não apresentava elementos para dar sustentação legal à relação capital versus trabalho:

Marx declara “quanto mais o operário produz, tanto menos tem para consumir; quanto mais produz, tanto menos valor e dignidade ele possui; quanto mais belo é o seu produto, tanto mais o operário fica disforme; quanto mais refinado o seu objeto, tanto mais ele se embrutece; quanto mais potente é o trabalho, tanto mais ele se torna material e escravo da natureza”.

A preocupação e o estudo de Marx estavam voltados para o ser humano e estas irão caminhar junto com o desenvolvimento da sociedade e a sua relação direta trabalho-capital. Para Marx o ser humano “não se sente satisfeito, mas infeliz, não desenvolve uma energia física e espiritual, mas acaba com o seu corpo e destrói o seu espírito. Por isso, o operário só se sente em si fora do trabalho; e sente-se fora de si no trabalho”.

Acredito que Marx vislumbrou as dificuldades da relação capital-trabalho no que diz respeito aos anseios de cada um dos indivíduos daquela época e projetou o que veríamos mais adiante com o avanço da ciência e sua aplicação na relação homem-trabalho.

Com a evolução e a organização da classe operária e a busca por uma relação mais justa alguns estudos foram realizados, e como demonstrado ao iniciar o texto a Administração Cientifica atuou a favor das partes envolvidas minimizando as dificuldades da relação trabalhadores-capital.

A teoria de Marx pode ter sido utilizada como um fósforo para incitar um incêndio, mas terá sido esta a intenção?

Para De Masi o mundo viveu a experiência traumática com as revoluções que atingiram da Rússia à China, de Cuba à África. Considera ainda que “a falência real do comunismo real dependeu, em boa parte, do fato de que já o proletário pós-industrial é bem diferente do proletariado típico do século XIX, descrito por Marx, feito de intelectuais, e a sua alienação – embora exista – não tem mais nada a ver com a alienação eviscerada nos Manuscritos”. Ainda afirma o autor que “No estado atual, se é verdade que o comunismo perdeu, é também verdade que o capitalismo não venceu e que muitos dos seus problemas permanecem até agora sem solução. Entre eles, justamente, o problema da motivação ao trabalho intelectual: o grande desafio do século XXI”.

Não acredito que a ideia era a revolução, mas sim a luta por direitos e garantias individuais usurpadas pelo poder do capital.

Com o advento da teoria de Taylor observa-se que o “objetivo da organização e dos intentos de cada trabalhador deve ser: da organização – assegurar o máximo de bem-estar ao empresário e também o máximo de bem-estar a cada um que executa a obra”.

 Além de inúmeras vantagens e benefícios citados por Taylor a “administração científica requer que a determinação de tarefas e obrigações seja absolutamente precisa [...] Requer, sobretudo uma complexa revolução cultural, com a qual os operários consigam entender que o novo sistema transforma empregadores de antagonistas em amigos que trabalham ao lado deles com o máximo de empenho possível”[1].

E o comunismo antes de Marx?

Segundo Abbagnano esse termo indica em geral, as doutrinas que descrevem uma sociedade baseada na abolição da propriedade privada e na coletivização dos meios de produção. A ideia comunista está presente na filosofia clássica, mais precisamente em Platão, que em República imagina um Estado no qual as classes superiores, governantes e guerreiros, para dedicar-se à pólis renunciam à família e à propriedade privada, que se mantêm, porém, para a massa dos produtores. Na Idade Média cristã algumas seitas banidas da Igreja oficial, professam o Comunismo em nome dos ideais de igualdade e fraternidade do Evangelho: é o caso do cátaros no Languedoc e dos seguidores de Dulcino no norte da Itália. Entre os séculos XVI e XVII são publicados Utopia de Thomas More e a Cidade do sol de Tommaso Campanella, que, por trás do anteparo da ficção da descoberta de uma ilha remota propõem o Comunismo como remédio para a miséria e a injustiça que afligem a plebe. Na França iluminista do século XVIII a ideia Comunista caracteriza obras filosóficas como o Código da natureza de Morelly e Dúvidas sobre a ordem natural das sociedades políticas de G. B. de Mably, que exercem notável influência sobre a ala radical do movimento revolucionário, isto é, o grupo de Baboeuf, em cujo Manifesto dos iguais (1796) se projeta uma sociedade que, graças à abolição da propriedade privada, garantisse igualdade aos homens. Quando Karl Marx e Friedrich Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista (1848), já está em curso um intenso debate sobre a futura sociedade socialista, de que são protagonistas, entre muitos, Saint-Simon, Owen, Fourier, Proudhon, Blanc e Blanqui. Os autores do Manifesto os acusam de utopismo e reinvidicam a superioridade de sua doutrina devido a seu caráter realístico e científico, mas os próprios estudiosos marxistas reconheceram os elos entre socialismo utópico e científico[2].

Não vou alongar a prosa; a ideia é demonstrar que pensar vale a pena, que ideias e ideais devem ser discutidos e que o pensar contemplativo tem valor para a saúde e qualidade de vida.

 

Para saber mais

A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável, substituindo em sua conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava. Foi somente então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico, e o direito ao apetite, fizeram com que o homem, que até esse momento só tinha olhado para si mesmo, se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus pendores. Embora se prive, nesse estado, de diversas vantagens recebidas da Natureza, ganha outras tão grandes, suas faculdades se exercitam e desenvolvem, suas idéias se estendem, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos desta nova condição, não o degradassem com freqüência a uma condição inferior àquela de que saiu, deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali desarraigado para sempre, o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente, num homem[3].



[1] De Masi, Domenico. Criatividade e grupos criativos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. Páginas 639 a 676.

[2] Abbagnano, Nicola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. P. 193.

[3] Jean-Jacques Rousseau. Do Contrato Social (Portuguese Edition) (Locais do Kindle 169-174). Edição do Kindle.

 

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