Eu,
Morin, Capra, Campbel, Freire e Gardner: o que temos em comum?
Certamente uma cabeça bem
feita não é uma cabeça bem cheia. Assim Morin (2011) inicia a sua argumentação
em “A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”. É
pertinente salientar que o que está bem cheio não significar estar com o melhor
conteúdo, seja no nível de compreensão intelectual ou material. É certo que
encher um balde com água até o limite de sua borda não é, com certeza, o
entendimento correto de que a mesma quantia de água chegará ao destino, o que
deseja e entende o proponente da ação. É certo que uma margem de acerto ou erro
deve ser considerada em qualquer caso que possamos imaginar, caso contrário, a
ação em si deixará de ser efetiva ou concludente. O “bem cheia” refere-se às
aptidões em geral e aos princípios organizadores que devem permear a ação
humana, no geral e nas particularidades. Morin nos aponta os desafios, a condição de
ser humano, do aprender a viver e enfrentar as incertezas, do ser cidadão e do
reaprender ser cidadão, do reformar e reciclar o pensamento, do conviver em si
e com os demais as contradições intrínsecas do “ser” humano.
As
especificidades estão constituídas na complexidade. As complexidades a discutir
nesta temática estão na evolução do indivíduo e do seu posicionamento no
contexto em que vive e convive. O ir e vir, as transformações do ambiente
social em que nos situamos como sujeitos ativos e transformadores, mesmo que
não o percebamos em/ou determinados momentos da nossa existência é que provocam
as alterações/transformações no contexto.
Dos
muitos desafios que, como num cenário em terceira dimensão se apresentam ao
nosso dia a dia, há um que como professores e difusores da cultura, da
educação, da ética, do aprender e do ensinar, do produzir conhecimento
cientifico ou não surgem como desafios e que devem ser pensados e repensados,
transformados com o objetivo de preparar para melhor e inserir indivíduos ao
mundo em que vivemos e inconscientemente individualizamos, destruímos,
eco-egoisticamente – trazendo o egoísmo ao convívio ecológico - modificamos em
nome do desenvolvimento e da sobrevivência da raça humana.
Onde
está o sociológico, o cívico, o educar? Morin (2011) considera que a reforma do
ensino deve levar à reforma do pensamento e esta deve conduzir à reforma do
ensino.
Estamos
partindo para onde se nem mesmo sabemos de onde viemos? Conduzimos o quê se nem
mesmo entendemos as consequências do que produzimos/destruímos? Para Campbell
(1990) a noção de que alguém literalmente fez o mundo é tido como
artificialismo, é uma maneira infantil de pensar. Campbell ainda descreve que
procedemos de um só fundamento de ser e que para entrar em acordo com a grande
sinfonia que é o mundo, para colocar a harmonia do nosso corpo em harmonia com
este universo em que vivemos, devemos realizar um grande esforço de
conscientização; assim, enfatiza que: “aquele que pensa ter encontrado a
verdade definitiva está enganado”. (1990).
O
pensamento de qualquer indivíduo, aparentemente, sempre se volta para a
liberdade. A liberdade de pensar. Mas o que é a liberdade? A questão é tão
ampla que não vamos recorrer a um dicionário para citação. Paulo Freire (2010) diz
que a liberdade tem antigas ressonâncias, anteriores mesmo ao pensamento
liberal. Para Freire a transição é um caminho perene e que deve ser percorrido
por aqueles que ensejam desenvolver-se e desenvolver outros com quem convivem;
encontrar-se como indivíduo é para o nobre escritor a essência, a coerência, o
reconhecer-se em sociedade.
Não
pretendemos nesta breve abordagem resolver, polemizar ou inserir novos
problemas, mas apenas discutir ou lançar elementos que possam provocar a
reflexão, a ação, à polinização de inquietações em outros indivíduos.
Pouco
mais que provocar é a alegria que temos de verificar que intelectuais das mais
diversas formações questionam a forma que hoje consideramos não como um modelo,
mas como uma adequação, para a condução e/ou formação de indivíduos. Capra (1997)
nos traz discussões sobre as teorias sistêmicas – a discussão das partes para o
todo e do todo para as partes numa ação de integração. Num grande e infinito
sistema de encaixes a vida humana se sobrepôs aos demais viventes compostos por
espécies diversas e que quando aos primeiros causa qualquer incomodo uma pronta
reação, sofrem os segundos. Ao reagir aqueles que sofreram a ação, o fazem,
entendendo que a dominação não deve ser imposta, ao invés, vivida em equilíbrio.
A sensatez deixa de ser uma condição, a harmonia deixa de ser uma forma
equilibrada de convivência.
Que
diferenças há entre nos que provocam tamanha discussão? Por que tantos
intelectuais ocupam-se de tais questões? Complexidade, pensamento, ensinamentos,
transformação, metamorfose, equilíbrio. Por que não conseguimos concluir? Por
que talvez esta seja a motivação de que necessitamos para prosseguir.
Prosseguir em busca de um mundo melhor, onde as corporações dos mais diversos
seguimentos estejam voltadas para a continuidade da vida humana e não para
exploração desta em nome da ciência, da sobrevivência, de uma vida melhor. O
que é melhor? Melhor é entender que não
podemos descartar a convivência entre alunos, professores e comunidades. É
compreender que há pessoas capazes em todas as fases da evolução biológica. Que
interagir, respeitar, ouvir e buscar compreender pode ser a passagem através do
portal tridimensional após vencer o mestre da incoerência, da ingratidão, da
miséria, da insensibilidade, da aversão aos miseráveis, da aversão à justiça
social, da incompreensão àqueles que dizem de forma simples: “nós também
entendemos, queremos e podemos melhor; nós não só também queremos transformar,
mas também queremos contribuir e obter o respeito que merecemos como seres
deste complexo biossistema”.
Temos
padrões, temos condutas em todas as sequencias programadas por um sistema em
nossas vidas. Por que não temos um sistema que nos possibilite conviver em
harmonia? Que condição é esta em que currículos são impostos. Para Maurice
Holt, in: Capra, Alfabetização Ecológica (2006), é possível tornar tanto
professores quanto alunos responsáveis, sem recorrer a um sistema falho de
avaliação qualitativa; o autor evoca uma metáfora para criar uma visão da
educação inspirada nos “plácidos prazeres sensuais de uma refeição civilizada”
como antídoto para o que ele chama de “modelo hambúrguer de educação”. Segundo o mesmo autor, padrões é um veneno.
Fast food ou fast school?(Holt,
In: Capra, 2006).
O
que nos nutre não é o padrão, talvez, apenas nos de uma condição para produzir
mais, melhor e mais rapidamente. Ainda bem que o sistema capitalista não
inventou um setor nas diversas organizações com a descrição: “deixe o seu
cérebro no cabide”.
Eu
sou free.
Posso
não saber... Mas... É por que não procuro?
Não
é bem assim. Tenho múltiplas inteligências. Posso não saber bem como
utilizá-las, mas são minhas. Tira a mão daí!
Para
Howard Gardner (1995) a noção de escolas dedicadas às inteligências múltiplas
ainda está em seu período de bebê, e existem tantas receitas plausíveis quanto chefs educacionais.
O
autor continua e afirma o seguinte: “Eu espero que a ideia das inteligências
múltiplas se torne parte da formação dos professores. Embora a existência de
diferenças entre alunos (e entre professores) seja aparentemente aceita, tem
havido poucas tentativas sistemáticas de elaborar as implicações educacionais dessas
diferenças”.
O
estímulo ao desenvolvimento nos mais diversos campos da formação humana,
acredito, deva ser a mola propulsora para o desenvolvimento de uma cultura
voltada para a convivência em harmonia em uma sociedade cosmopolita, capaz de
absorver as diferenças sociais, capaz de buscar eliminar a miséria, a exclusão
social, a exclusão de acesso às estruturas políticas locais ou internacionais.
Que
as ciências sociais ou exploratórias sejam capazes de reunir em seu entorno as
diferenças que unem as pessoas. Que as ações públicas e privadas, individuais e
comunitárias sejam capazes de unir e reunir pessoas em prol de uma convivência
mais humana, respeitosa e compreensiva.
Que
as conexões ocultas, aqui referenciando a obra de Capra (2005), possam ser
tornadas claras e compreensíveis ao público em geral para uma vida sustentável
com progresso científico voltado para o todo, fracos e fortes, mais ou menos
evoluídos intelectualmente.
Que
a revolução provocada pela tecnologia possa trazer e fazer mais humanas as
relações de igualdade, de distribuição de renda, de respeito às crenças – visto
que estas representam o que há de mais íntimo em cada ser humano, que possamos
compreender o mínimo para se possível atingir o máximo – quando isto não for
prejudicial e venha a desfavorecer a comunidade.
Que
possamos entender o que significa ser ecologicamente correto – de forma simples
quer dizer: conviver em harmonia e respeito aos demais viventes deste complexo
planeta terra.
Que
a minha ousadia em iniciar com Eu e
os autores citados não seja entendido como um ato de soberba, mas, apenas e tão
somente como uma indagação para a reflexão, pois, o que temos em comum é apenas
o seguinte: querer saber mais, fazer mais, compreender mais e... Viver mais e
melhor num mundo em harmonia.
Referências
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas
Athena, 1990.
CAPRA, Fritjof, et al. Alfabetização ecológica: a educação de
crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Cultrix, 2006.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma compreensão cientifica
dos sistemas vivos. São Paulo: Cultirx, 2006.
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida
sustentável. São Paulo: Cultrix, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na
prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma,
reformar o pensamento. 19 ª ed.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.