sábado, 3 de novembro de 2012


Eu, Morin, Capra, Campbel, Freire e Gardner: o que temos em comum?

 Sievert, Genaldo Luis

Certamente uma cabeça bem feita não é uma cabeça bem cheia. Assim Morin (2011) inicia a sua argumentação em “A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”. É pertinente salientar que o que está bem cheio não significar estar com o melhor conteúdo, seja no nível de compreensão intelectual ou material. É certo que encher um balde com água até o limite de sua borda não é, com certeza, o entendimento correto de que a mesma quantia de água chegará ao destino, o que deseja e entende o proponente da ação. É certo que uma margem de acerto ou erro deve ser considerada em qualquer caso que possamos imaginar, caso contrário, a ação em si deixará de ser efetiva ou concludente. O “bem cheia” refere-se às aptidões em geral e aos princípios organizadores que devem permear a ação humana, no geral e nas particularidades.  Morin nos aponta os desafios, a condição de ser humano, do aprender a viver e enfrentar as incertezas, do ser cidadão e do reaprender ser cidadão, do reformar e reciclar o pensamento, do conviver em si e com os demais as contradições intrínsecas do “ser” humano.

            As especificidades estão constituídas na complexidade. As complexidades a discutir nesta temática estão na evolução do indivíduo e do seu posicionamento no contexto em que vive e convive. O ir e vir, as transformações do ambiente social em que nos situamos como sujeitos ativos e transformadores, mesmo que não o percebamos em/ou determinados momentos da nossa existência é que provocam as alterações/transformações no contexto.

            Dos muitos desafios que, como num cenário em terceira dimensão se apresentam ao nosso dia a dia, há um que como professores e difusores da cultura, da educação, da ética, do aprender e do ensinar, do produzir conhecimento cientifico ou não surgem como desafios e que devem ser pensados e repensados, transformados com o objetivo de preparar para melhor e inserir indivíduos ao mundo em que vivemos e inconscientemente individualizamos, destruímos, eco-egoisticamente – trazendo o egoísmo ao convívio ecológico - modificamos em nome do desenvolvimento e da sobrevivência da raça humana.

            Onde está o sociológico, o cívico, o educar? Morin (2011) considera que a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento e esta deve conduzir à reforma do ensino.

            Estamos partindo para onde se nem mesmo sabemos de onde viemos? Conduzimos o quê se nem mesmo entendemos as consequências do que produzimos/destruímos? Para Campbell (1990) a noção de que alguém literalmente fez o mundo é tido como artificialismo, é uma maneira infantil de pensar. Campbell ainda descreve que procedemos de um só fundamento de ser e que para entrar em acordo com a grande sinfonia que é o mundo, para colocar a harmonia do nosso corpo em harmonia com este universo em que vivemos, devemos realizar um grande esforço de conscientização; assim, enfatiza que: “aquele que pensa ter encontrado a verdade definitiva está enganado”. (1990). 

            O pensamento de qualquer indivíduo, aparentemente, sempre se volta para a liberdade. A liberdade de pensar. Mas o que é a liberdade? A questão é tão ampla que não vamos recorrer a um dicionário para citação. Paulo Freire (2010) diz que a liberdade tem antigas ressonâncias, anteriores mesmo ao pensamento liberal. Para Freire a transição é um caminho perene e que deve ser percorrido por aqueles que ensejam desenvolver-se e desenvolver outros com quem convivem; encontrar-se como indivíduo é para o nobre escritor a essência, a coerência, o reconhecer-se em sociedade.

            Não pretendemos nesta breve abordagem resolver, polemizar ou inserir novos problemas, mas apenas discutir ou lançar elementos que possam provocar a reflexão, a ação, à polinização de inquietações em outros indivíduos.

            Pouco mais que provocar é a alegria que temos de verificar que intelectuais das mais diversas formações questionam a forma que hoje consideramos não como um modelo, mas como uma adequação, para a condução e/ou formação de indivíduos. Capra (1997) nos traz discussões sobre as teorias sistêmicas – a discussão das partes para o todo e do todo para as partes numa ação de integração. Num grande e infinito sistema de encaixes a vida humana se sobrepôs aos demais viventes compostos por espécies diversas e que quando aos primeiros causa qualquer incomodo uma pronta reação, sofrem os segundos. Ao reagir aqueles que sofreram a ação, o fazem, entendendo que a dominação não deve ser imposta, ao invés, vivida em equilíbrio. A sensatez deixa de ser uma condição, a harmonia deixa de ser uma forma equilibrada de convivência.

            Que diferenças há entre nos que provocam tamanha discussão? Por que tantos intelectuais ocupam-se de tais questões? Complexidade, pensamento, ensinamentos, transformação, metamorfose, equilíbrio. Por que não conseguimos concluir? Por que talvez esta seja a motivação de que necessitamos para prosseguir. Prosseguir em busca de um mundo melhor, onde as corporações dos mais diversos seguimentos estejam voltadas para a continuidade da vida humana e não para exploração desta em nome da ciência, da sobrevivência, de uma vida melhor. O que é melhor?  Melhor é entender que não podemos descartar a convivência entre alunos, professores e comunidades. É compreender que há pessoas capazes em todas as fases da evolução biológica. Que interagir, respeitar, ouvir e buscar compreender pode ser a passagem através do portal tridimensional após vencer o mestre da incoerência, da ingratidão, da miséria, da insensibilidade, da aversão aos miseráveis, da aversão à justiça social, da incompreensão àqueles que dizem de forma simples: “nós também entendemos, queremos e podemos melhor; nós não só também queremos transformar, mas também queremos contribuir e obter o respeito que merecemos como seres deste complexo biossistema”.

            Temos padrões, temos condutas em todas as sequencias programadas por um sistema em nossas vidas. Por que não temos um sistema que nos possibilite conviver em harmonia? Que condição é esta em que currículos são impostos. Para Maurice Holt, in: Capra, Alfabetização Ecológica (2006), é possível tornar tanto professores quanto alunos responsáveis, sem recorrer a um sistema falho de avaliação qualitativa; o autor evoca uma metáfora para criar uma visão da educação inspirada nos “plácidos prazeres sensuais de uma refeição civilizada” como antídoto para o que ele chama de “modelo hambúrguer de educação”.  Segundo o mesmo autor, padrões é um veneno.

            Fast food ou fast school?(Holt, In: Capra, 2006).

            O que nos nutre não é o padrão, talvez, apenas nos de uma condição para produzir mais, melhor e mais rapidamente. Ainda bem que o sistema capitalista não inventou um setor nas diversas organizações com a descrição: “deixe o seu cérebro no cabide”.

            Eu sou free.

            Posso não saber... Mas... É por que não procuro?

            Não é bem assim. Tenho múltiplas inteligências. Posso não saber bem como utilizá-las, mas são minhas. Tira a mão daí!

            Para Howard Gardner (1995) a noção de escolas dedicadas às inteligências múltiplas ainda está em seu período de bebê, e existem tantas receitas plausíveis quanto chefs educacionais.

            O autor continua e afirma o seguinte: “Eu espero que a ideia das inteligências múltiplas se torne parte da formação dos professores. Embora a existência de diferenças entre alunos (e entre professores) seja aparentemente aceita, tem havido poucas tentativas sistemáticas de elaborar as implicações educacionais dessas diferenças”.

            O estímulo ao desenvolvimento nos mais diversos campos da formação humana, acredito, deva ser a mola propulsora para o desenvolvimento de uma cultura voltada para a convivência em harmonia em uma sociedade cosmopolita, capaz de absorver as diferenças sociais, capaz de buscar eliminar a miséria, a exclusão social, a exclusão de acesso às estruturas políticas locais ou internacionais.

            Que as ciências sociais ou exploratórias sejam capazes de reunir em seu entorno as diferenças que unem as pessoas. Que as ações públicas e privadas, individuais e comunitárias sejam capazes de unir e reunir pessoas em prol de uma convivência mais humana, respeitosa e compreensiva.

            Que as conexões ocultas, aqui referenciando a obra de Capra (2005), possam ser tornadas claras e compreensíveis ao público em geral para uma vida sustentável com progresso científico voltado para o todo, fracos e fortes, mais ou menos evoluídos intelectualmente.

            Que a revolução provocada pela tecnologia possa trazer e fazer mais humanas as relações de igualdade, de distribuição de renda, de respeito às crenças – visto que estas representam o que há de mais íntimo em cada ser humano, que possamos compreender o mínimo para se possível atingir o máximo – quando isto não for prejudicial e venha a desfavorecer a comunidade.

            Que possamos entender o que significa ser ecologicamente correto – de forma simples quer dizer: conviver em harmonia e respeito aos demais viventes deste complexo planeta terra.

            Que a minha ousadia em iniciar com Eu e os autores citados não seja entendido como um ato de soberba, mas, apenas e tão somente como uma indagação para a reflexão, pois, o que temos em comum é apenas o seguinte: querer saber mais, fazer mais, compreender mais e... Viver mais e melhor num mundo em harmonia.

           

Referências

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CAPRA, Fritjof, et al. Alfabetização ecológica: a educação de crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Cultrix, 2006.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma compreensão cientifica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultirx, 2006.

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2005.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19 ª ed.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.