sábado, 13 de junho de 2020

Tolerância, intolerância, diálogo, aceitação? Uma breve discussão a luz dos dias atuais.

Tolerância, intolerância, diálogo, aceitação? Uma breve discussão a luz dos dias atuais.

Texto elaborado por: Genaldo Luis Sievert – M.´. I.´.

INTRODUÇÃO

Estamos diante do tempo em que, nos parece, as individualidades, numa tentativa insana tentam impor opiniões por atos ou palavras; um tempo em que as mazelas provocadas em prol da liberdade de expressão inserem mais e mais rupturas; o que parece pior é o fato de que se utilizam NÃO fatos para promover a discórdia e ampliar o fanatismo. Mas será que é um privilégio do tempo que vivemos? Ao analisarmos a linha do tempo da história percebemos que a discórdia e o fanatismo estão presentes em toda sua extensão. Quando o primeiro Homo Sapiens agrediu seu semelhante para defender um naco da presa que havia feito, se destacou ali a primeira não conformação de partilha e tolerância, ou de generosidade pura, como bem escrita por Nelson Mandela. Avançamos e nos deparamos com a organização da sociedade, cujo objetivo é a participação igualitária e democrática e o que detectamos é a distorção completa da ideia inicial de igualdade, liberdade e fraternidade. Em nome desta mesma ideia guerreamos, subjugamos e impomos ideias e ideais intolerantes, mas, que se justificam quando há interesses soberanos e distorcidos. A aceitação de ideias e ideais de ordem individual e coletiva jamais comungarão com o todo, isto entendemos impossível, porém, podemos sim aplicar os princípios naturais/humanos da tolerância como a forma adequada a um tempo que se apresenta revolto e se não aceitarmos as diferenças e combatermos a intolerância por atos de desrespeito necrosados pelo ódio, caminharemos, talvez, para a mais completa fase de insanidade da história da humanidade.

 

DADOS E INDICAÇÕES PARA DESENVOLVER A IDEIA

 

            Antes de iniciarmos qualquer consideração a respeito do tema é pertinente apresentarmos algumas ideias, textos ou extratos destes, para que possamos navegar em mares calmos. A ideia básica é discutir o que observamos no dia a dia em qualquer campo/relação da atividade humana e, sem dúvida, neste ano de 2020 vivenciamos todos os dias nas mídias das mais variadas formas e origens as mais perversas práticas em prol da Intolerância. Então, vejamos um pouco sobre Intolerância:

            Segundo o que disponibiliza Abbagnano em seu Dicionário de Filosofia, “é a certeza de estar de posse de uma verdade absoluta, que se procura impor por anuência ou repressão. No sentido contrário apresenta este: Os limites da tolerância podem ser resumidos no único princípio de que a Intolerância não pode ser tolerada na medida em que, prevalecendo ela, não seria possível a tolerância[1]”.

            Pensadores como Locke, Pascal e Voltaire apresentaram suas ideias a respeito assim como J.S. Mill em seu Ensaio sobre a liberdade (1859), no qual afirma que o único limite que cabe impor à tolerância é o dano: quando um comportamento prejudica outros indivíduos, não pode ser tolerado (princípio do dano). Entre os contemporâneos H. Marcuse afirma: “que não há como reconciliar os carrascos com suas vítimas[2]”.

            Locke e Voltaire: evidenciaram ao mesmo tempo a irracionalidade da intolerância.

            Pascal ressalta: “que o homem é um átomo no universo, um pequeno ser fraco e cheio de defeitos, caberá então a um átomo julgar? (Será que ao indagar não estaria praticando veladamente a intolerância)”.

            Voltaire: “é fruto do fanatismo; o único remédio para superá-la esta na filosofia”.

Segundo descrito por Abbagnano em seu Dicionário de Filosofia (pp. 1142-1143), Tolerância é “Norma ou princípio de liberdade religiosa”.

Algum dos participantes deseja acender o pavio?

Abbagnano também salienta “Desde que essas lutas se iniciaram a T. foi entendida como coexistência pacífica entre várias confissões religiosas, sendo hoje entendida, em sentido ainda mais geral, como coexistência pacífica de todas as possíveis atitudes religiosas”.

Pensadores como Espinosa, Locke, também apresentaram suas teorias a respeito salientando a responsabilidade do Estado como promotor da pratica da tolerância em prol da defesa da sociedade e de seus cidadãos.

Voltaire também escreveu seu Tratado sobre a Tolerância (1763) e que, por questões óbvias, e devido à influência que exerceu se tornou amplamente conhecido. 

Cabe ressaltar, também, que segundo Abbagnano “Na linguagem comum e às vezes na filosófica, a T. também é entendida em sentido mais amplo, abrangendo qualquer forma de liberdade, seja ela moral, política ou social. Assim entendida, identifica-se com pluralismo de valores, de grupos e de interesses na sociedade contemporânea; às vezes se discerne nesse pluralismo um meio para manter o controle dos grupos sociais existentes em toda a sociedade, portanto um obstáculo à realização de uma nova forma de sociedade”.

Apresenta, ainda, Abbagnano o seguinte: “Marcuse afirmou que, embora a T. indiscriminada se justifique nos debates inócuos e nas discussões acadêmicas, sendo indispensável na religião e na ciência, não pode ser admitida quando estão em jogo a paz, a liberdade e a felicidade da existência, porque nesse caso equivaleria à repressão de todos os fatores de inovação da realidade social (A Critique of Pure Tolerance, de Wolff, Moore Jr. E Marcuse, 1965)”. Contudo, nesse significado mais genérico, a T. não se distingue de liberdade, e seus problemas são os mesmos dos limites e das condições da liberdade política[3].

Para finalizar esta breve apresentação, segue para reflexão:

“Esta horrível discórdia, que dura há tantos séculos, constitui a lição bem expressiva de que devemos perdoar-nos mutuamente os nossos erros; a discórdia é o grande mal do gênero humano e a tolerância o seu único remédio. Não há quem não convenha nesta verdade, quer a medite a sangue-frio no seu gabinete, quer a examine pacificamente com os amigos. Por que razão, pois, os mesmos homens que admitem em particular a indulgência, a beneficência, a justiça, se erguem em público com tanto furor contra essas virtudes? Por quê? Porque o seu interesse é o seu deus e tudo sacrificam a este monstro que adoram.  Possuo uma dignidade e um poder que a ignorância e a crueldade fundaram; caminho sobre as cabeças dos homens prosternados a meus pés; se eles se soerguem e me contemplam cara a cara, estou perdido; é preciso pois mantê-los presos ao chão com cadeias de ferro”[4].

Outras indicações para leitura/consulta:

"Deixo discutir aqueles que sabem mais do que eu se nossa alma existe antes ou depois da organização do nosso corpo. Mas confesso que, na partilha, calhou-me uma alma grosseira que não pensa sempre, e tenho até a infelicidade de não conceber que seja mais necessário à alma pensar sempre, do que ao corpo estar sempre em movimento".

Voltaire - François Marie Arouet (1694-1778),Cartas Filósoficas . Edição do Kindle. Décima Terceira Carta: sobre o Sr. Locke.

“Duas normas básicas preservaram os freios e contrapesos dos Estados Unidos, a ponto de as tomarmos como naturais: a tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitem umas às outras como rivais legítimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais”.

Levitsky, Steven. Como as democracias morrem. Zahar. Edição do Kindle.

“O Homo sapiens guardou um segredo ainda mais perturbador. Não só temos inúmeros primos não civilizados, como um dia também tivemos irmãos e irmãs. Costumamos pensar em nós mesmos como os únicos humanos, pois, nos últimos 10 mil anos, nossa espécie de fato foi a única espécie humana a existir. Porém, o verdadeiro significado da palavra humano é “animal pertencente ao gênero Homo”, e antes havia várias outras espécies desse gênero além do Homo sapiens.”

Harari, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. L&PM Editores. Edição do Kindle.

“Ao avaliarmos nosso progresso como indivíduos, tendemos a nos concentrar em fatores externos, como posição social, influência e popularidade, riqueza e nível de instrução. Certamente são dados importantes para se medir o sucesso nas questões materiais, e é perfeitamente compreensível que tantas pessoas se esforcem tanto para obter todos eles. Mas os fatores internos são ainda mais decisivos no julgamento do nosso desenvolvimento como seres humanos. Honestidade, sinceridade, simplicidade, humildade, generosidade pura, ausência de vaidade, disposição para ajudar os outros – qualidades facilmente alcançáveis por todo indivíduo – são os fundamentos da vida espiritual”.

Mandela, Nelson. Conversas que tive comigo. Rocco Digital. Edição do Kindle.

https://genaldo-lsievert.blogspot.com/

 

 



[1] Abbagnano, Nicola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

[2] Idem.

[3] Idem, pp. 1143-1144.

[4] Voltaire, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico . Edição do Kindle.