quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

 

Conhecimento e ignorância: sobre as condições de produção do conhecimento.

Genaldo Luis Sievert

Sievert, G. L.

glsievert@gmail.com

O que é conhecimento? Qual sua origem? Como foi desenvolvida sua estrutura? Há uma história de tão vasto assunto? Estas e outras possíveis indagações é a alavanca para o texto que segue. Nos tortuosos caminhos cujo alcance não pode ser determinado é que a inspiração surgiu e o desafio está por ser alcançado. Assim selecionei algumas obras como principais para apoiar e sustentar o texto que segue: 1) Dicionário de Filosofia de Abbagnano; 2) Uma história social do conhecimento de Peter Burke; 3) Ignorância: uma história global de Peter Burke; 4) Sapiens: uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari.

Diante do desafio eis que Harari demonstra que o ponto inicial surge com o desenvolvimento da capacidade cognitiva dos Sapiens – que o autor estabeleceu como “Revolução Cognitiva”. E o que aconteceu nessa revolução? Segundo Harari os Sapiens desenvolveram novas habilidades, a partir das quais obtiveram benefícios, conforme se verifica abaixo em quadro desenvolvido por aquele autor:

Nova habilidade

Benefícios

Capacidade de transmitir maiores quantidades de informação sobre o mundo à volta dos Homo Sapiens.

Planejamento e realização de ações complexas, como evitar leões e caçar bisões.

Capacidade de transmitir grandes quantidades de informação sobre as relações sociais dos sapiens.

Grupos maiores e mais coesos, chegando a 150 indivíduos.

Capacidade de transmitir grandes quantidades de informação sobre coisas que não existem de fato, tais como espíritos tribais, nações, companhias de responsabilidade limitada e direitos humanos.

a. Cooperação entre números muito grandes de estranhos.

b. Rápida inovação do comportamento social.

Harari, 2012, Edição do Kindle.

Segundo Harari, 2012:

“O surgimento de novas formas de pensar e se comunicar, entre 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás, constitui a Revolução Cognitiva. O que a causou? Não sabemos ao certo. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo. Poderíamos chamá-las de mutações da árvore do conhecimento. Por que ocorreram no DNA do sapiens e não no DNA dos neandertais? Até onde pudemos verificar, foi uma questão de puro acaso. Mas é mais importante entender as consequências das mutações da árvore do conhecimento do que suas causas”.

Após a Revolução Cognitiva o Homo Sapiens evoluiu, organizou-se em grupos que depois evoluíram para comunidades, cidades, que agrupadas formaram grandes e complexas instituições denominadas Estado, a partir do que os mesmos Sapiens foram colocados sob os grilhões das Autoridades. Tudo isso envolto em guerra e paz, estabelecendo deuses guerreiros e pacificadores, domesticando, traindo, perdoando, vingando, estabelecendo regras e constituindo poderes a caminhada longa nos colocou no século XXI, no qual se desenvolve, então, a Inteligência Artificial (IA). O tempo de caçar não acabou, além da violência física a IA, fincou a marca da desinformação em grande parte dos sapiens.

Seguidos por um rastro de pólvora que jamais se dissipa o Homo Sapiens, evoluiu rapidamente após a revolução agrícola e posteriormente a revolução cientifica.

Mas a questão que fica emudecida é: qual é o limite do desenvolvimento do conhecimento?

Vamos elencar agora um pouco da teoria sobre, afinal é fácil discorrer sobre o tema; porém, o que desejamos comprovar é que há teoria a respeito, que há regras a serem respeitadas quando nos atrevemos a discorrer sobre determinado tema, que método seguir e créditos a citar. Nenhum ser humano é capaz de desenvolver conhecimento por si, considerando-se como o centro do universo. Todo nosso conhecimento parte de observações e estudos, com apoio de tantos outros saberes quanto necessários.

Da obra Ignorância: uma história global, selecionamos o seguinte trecho para nossa reflexão, pois, saber discorrer sobre ignorância é conhecimento. Burke, (p.13)

Da forma como o concebemos, jamais o conhecimento se torna pleno. Para um cientista contemplativo medieval, ou um teólogo, essa completude do saber podia ser um pressuposto ou uma meta. Não para nós, modernos ou contemporâneos. Yuval Harari retoma, talvez sem perceber, a famosa ideia de Sócrates a que antes aludimos, quando diz que nunca a humanidade soube tanto, e isso justamente porque (e não apesar de) nunca teve tanta consciência do que não sabe. Há, pois, uma ignorância positiva, produtiva.

E como podemos retirar os indivíduos da preguiça que os atinge e que os remete a consumir mentiras e supostas verdades, ambas sem sabor, cor e rotulagem, repetidas infinitamente. Hoje o ignorante, revestido de soberba se rotula como intelectual utilizando o “cópia e cola” de diversos veículos de comunicação online, blogues e outros elementos. Escreve como se doutor fosse, não cita suas fontes de inspiração – até porque não utilizou, copiou.

Recentemente analisei um texto publicado em grupo de WhatsApp, em que pude verificar uma miscelânia de trechos recortados de blogues diversos e assinado por quem o postou como se autor fosse. Assim fica a questão é o postulante um produtor de conhecimento? Não, de Lixo!

Burke, (p.15) nos brinda com o seguinte sobre ignorância: “A ignorância, definida como a ausência de conhecimento, pode não soar nem um pouco como um tópico a ser discutido – um amigo, inclusive, imaginou que um livro sobre o assunto não conteria nada além de páginas em branco”.

Abaixo irei organizar em uma tabela, para facilitar a leitura uma série de reflexões sobre o que é ignorância:

Robert Proctor, historiador da ciência, declarou nosso próprio tempo como sendo uma “era de ouro da ignorância”.

No passado, uma das principais razões para a ignorância dos indivíduos era o fato de que muito pouca informação circulava em sua sociedade. Parte do conhecimento era do tipo que o historiador Martin Mulsow chama de “precário”, registrado apenas em manuscritos e mantido escondido, porque as autoridades, tanto da igreja como do Estado, rejeitavam-no.

Hoje, paradoxalmente, a abundância se tornou um problema que é conhecido como “sobrecarga de informação”. Os indivíduos experimentam um dilúvio de informações e muitas vezes não conseguem selecionar o que querem ou do que precisam, uma condição que também é conhecida como “falha de filtro”. Como consequência disso, nossa assim chamada era da informação “permite a difusão da ignorância tanto quanto a difusão do conhecimento”.

Fonte: Burke, 2023, p.21. Organizado pelo autor.

Na estrada da vida já ouvimos que “a ignorância é uma benção”. Verdade ou não o caminho é a busca do conhecimento com senso crítico e no uso de métodos.

Sobre conhecimento: a partir da obra de Peter Burke, Uma História Social do Conhecimento, de Gutenberg a Diderot (grifo meu), nos apresenta diversos conteúdos que sustentam o tema, vejamos:

“O que é conhecido sempre parece sistemático, provado, aplicável e evidente para aquele que conhece. Da mesma forma, todo sistema alheio de conhecimento sempre parece contraditório, não provado, inaplicável, irreal ou místico”. Fleck (apud Burke, 2003, p. 128).

De todo modo, passar da intuição para o estudo organizado e sistemático é muitas vezes um movimento difícil, que pode levar séculos para se consumar. Esse foi certamente o caso do que hoje é conhecido como “sociologia do conhecimento” (idem).

De acordo com as considerações de Burke, a sociologia do conhecimento apresenta as seguintes ênfases:

a. passou da aquisição e transmissão para sua “construção”, “produção” ou mesmo manufatura”, que é segundo o autor “uma inclinação pós-estruturalista ou pós-moderna na sociologia;

b. Há menos insistência sobre a estrutura social e mais sobre indivíduos, sobre a linguagem e sobre práticas como a classificação e o experimento. Destaca, ainda, que há menos ênfase na economia e mais na política do conhecimento e nos “detentores do conhecimento”;

c. Esses detentores do conhecimento são vistos como um grupo maior e mais variado do que antes. Os conhecimentos práticos, locais ou cotidianos, bem como as iniciativas intelectuais, são hoje levados a sério pelos sociólogos, especialmente os da escola dita “etnometodológica”;

d. A nova sociologia do conhecimento difere da antiga pelo seu interesse pela microssociologia, pela vida intelectual cotidiana de pequenos grupos, círculos, redes ou “comunidades epistemológicas”, vistas como as unidades fundamentais que constroem o conhecimento e sua difusão.

Diante do conteúdo apresentado até o momento porque ainda não trabalhamos com Abbagnano, e o conteúdo inserido em sua obra Dicionário de filosofia, (grifo meu), lemos que o fato é que ele teceu considerações diversas as quais remetem ao entendimento de que:

a. A teoria do conhecimento perdeu primado e significado desde que se começou a duvidar da validade de seus pressupostos;

b. [...] a teoria do conhecimento acabou perdendo o significado na filosofia contemporânea e foi substituído por outra disciplina, a metodologia, que é a análise das condições dos limites de validade dos procedimentos de indagação e dos instrumentos linguísticos do saber científico.

c. De resto quando se fala em teoria do conhecimento, não se entende apenas o problema do conhecimento do modo como ele se configurou historicamente no mundo moderno – sou seja, o problema de como atingir um objeto “externo” a partir de algum dado “interno” – porém, mais em geral, entende-se toda e qualquer forma de reflexão filosófica em torno do conhecimento, como quer que seja entendida ou praticada (2012, p. 213-215).

Mas o nosso texto é no sentido de demonstrar que há muito por fazer. Para que se tenha uma ideia do avanço na exploração das nuances construtivas do conhecimento, podemos citar o lento avanço no campo da ciência sob o ponto de vista social, no qual, hoje, se destaca a utilização da pesquisa qualitativa, com ênfase ao contexto de grupos de indivíduos e as consequências, por exemplo, do avanço tecnológico. Alcançamos nosso objetivo? Diante de tantas possibilidades e conteúdos diversos, sim. Mas o termo “conhecimento” pode ser comparado a uma célula em constante transformação e as consequências, provavelmente modificarão a vida humana e o habitat no qual estamos inseridos e, devemos nos manter atentos e respeitando todos pressupostos para produção do conhecimento.   

Abaixo o leitor tem disponível: Bibliografia. Para saber mais: indicação de outras obras.

 

 

Bibliografia:

Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2012.

Burke, Peter. Ignorância: Uma história global (Portuguese Edition) (p. 13). Vestígio Editora. Edição do Kindle, (2023).

Burke, Peter. Uma História Social do Conhecimento 1: De Gutenberg a Diderot (Portuguese Edition) . Zahar. Edição do Kindle, 2003.

Harari, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade (Portuguese Edition). L&PM Editores. Edição do Kindle.

Para saber mais:

Van Doren, Charles. Uma breve história do conhecimento: Os principais eventos, pessoas e conquistas da história mundial. (Portuguese Edition). Leya. Edição do Kindle, 2013.

Harari, Yuval Noah. 21 lições para o século 21 (Portuguese Edition). Companhia das Letras. Edição do Kindle.

 

Se você se sente impotente e confuso diante da situação global, está no caminho certo. Processos globais são complicados demais para que uma única pessoa os compreenda. Como então saber a verdade sobre o mundo, e não ser vítima de propaganda e desinformação? (Harari, p. 222).