Conhecimento e ignorância: sobre as
condições de produção do conhecimento.
Genaldo Luis Sievert
Sievert, G. L.
O que é conhecimento? Qual
sua origem? Como foi desenvolvida sua estrutura? Há uma história de tão vasto
assunto? Estas e outras possíveis indagações é a alavanca para o texto que
segue. Nos tortuosos caminhos cujo alcance não pode ser determinado é que a
inspiração surgiu e o desafio está por ser alcançado. Assim selecionei algumas
obras como principais para apoiar e sustentar o texto que segue: 1) Dicionário
de Filosofia de Abbagnano; 2) Uma história social do conhecimento de Peter
Burke; 3) Ignorância: uma história global de Peter Burke; 4) Sapiens: uma breve
história da humanidade, de Yuval Noah Harari.
Diante do desafio eis que
Harari demonstra que o ponto inicial surge com o desenvolvimento da capacidade
cognitiva dos Sapiens – que o autor estabeleceu como “Revolução
Cognitiva”. E o que aconteceu nessa revolução? Segundo Harari os Sapiens
desenvolveram novas habilidades, a partir das quais obtiveram benefícios,
conforme se verifica abaixo em quadro desenvolvido por aquele autor:
Nova habilidade |
Benefícios |
Capacidade de transmitir
maiores quantidades de informação sobre o mundo à volta dos Homo Sapiens. |
Planejamento e
realização de ações complexas, como evitar leões e caçar bisões. |
Capacidade de transmitir
grandes quantidades de informação sobre as relações sociais dos sapiens. |
Grupos maiores e mais
coesos, chegando a 150 indivíduos. |
Capacidade de transmitir
grandes quantidades de informação sobre coisas que não existem de fato, tais
como espíritos tribais, nações, companhias de responsabilidade limitada e
direitos humanos. |
a. Cooperação entre
números muito grandes de estranhos. b. Rápida inovação do
comportamento social. |
Harari, 2012, Edição do
Kindle.
Segundo Harari, 2012:
“O surgimento de novas
formas de pensar e se comunicar, entre 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás,
constitui a Revolução Cognitiva. O que a causou? Não sabemos ao certo. A teoria
mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas
do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem
precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo.
Poderíamos chamá-las de mutações da árvore do conhecimento. Por que ocorreram
no DNA do sapiens e não no DNA dos neandertais? Até onde pudemos verificar, foi
uma questão de puro acaso. Mas é mais importante entender as consequências das
mutações da árvore do conhecimento do que suas causas”.
Após a Revolução Cognitiva o Homo
Sapiens evoluiu, organizou-se em grupos que depois evoluíram para
comunidades, cidades, que agrupadas formaram grandes e complexas instituições
denominadas Estado, a partir do que os mesmos Sapiens foram colocados
sob os grilhões das Autoridades. Tudo isso envolto em guerra e paz, estabelecendo
deuses guerreiros e pacificadores, domesticando, traindo, perdoando, vingando,
estabelecendo regras e constituindo poderes a caminhada longa nos colocou no
século XXI, no qual se desenvolve, então, a Inteligência Artificial (IA). O
tempo de caçar não acabou, além da violência física a IA, fincou a marca da
desinformação em grande parte dos sapiens.
Seguidos por um rastro de pólvora que
jamais se dissipa o Homo Sapiens, evoluiu rapidamente após a revolução agrícola
e posteriormente a revolução cientifica.
Mas a questão que fica emudecida é: qual
é o limite do desenvolvimento do conhecimento?
Vamos elencar agora um pouco da teoria
sobre, afinal é fácil discorrer sobre o tema; porém, o que desejamos comprovar
é que há teoria a respeito, que há regras a serem respeitadas quando nos
atrevemos a discorrer sobre determinado tema, que método seguir e créditos a citar.
Nenhum ser humano é capaz de desenvolver conhecimento por si,
considerando-se como o centro do universo. Todo nosso conhecimento parte de
observações e estudos, com apoio de tantos outros saberes quanto necessários.
Da obra Ignorância: uma história
global, selecionamos o seguinte trecho para nossa reflexão, pois, saber
discorrer sobre ignorância é conhecimento. Burke, (p.13)
Da forma como o
concebemos, jamais o conhecimento se torna pleno. Para um cientista
contemplativo medieval, ou um teólogo, essa completude do saber podia ser um
pressuposto ou uma meta. Não para nós, modernos ou contemporâneos. Yuval Harari
retoma, talvez sem perceber, a famosa ideia de Sócrates a que antes aludimos,
quando diz que nunca a humanidade soube tanto, e isso justamente porque (e não
apesar de) nunca teve tanta consciência do que não sabe. Há, pois, uma
ignorância positiva, produtiva.
E como podemos retirar os
indivíduos da preguiça que os atinge e que os remete a consumir mentiras e
supostas verdades, ambas sem sabor, cor e rotulagem, repetidas infinitamente.
Hoje o ignorante, revestido de soberba se rotula como intelectual utilizando o
“cópia e cola” de diversos veículos de comunicação online, blogues e outros
elementos. Escreve como se doutor fosse, não cita suas fontes de inspiração –
até porque não utilizou, copiou.
Recentemente analisei um
texto publicado em grupo de WhatsApp, em que pude verificar uma
miscelânia de trechos recortados de blogues diversos e assinado por quem o
postou como se autor fosse. Assim fica a questão é o postulante um produtor de
conhecimento? Não, de Lixo!
Burke, (p.15) nos brinda com
o seguinte sobre ignorância: “A ignorância, definida como a ausência de
conhecimento, pode não soar nem um pouco como um tópico a ser discutido – um
amigo, inclusive, imaginou que um livro sobre o assunto não conteria nada além
de páginas em branco”.
Abaixo irei organizar em uma
tabela, para facilitar a leitura uma série de reflexões sobre o que é
ignorância:
Robert Proctor,
historiador da ciência, declarou nosso próprio tempo como sendo uma “era de
ouro da ignorância”. |
No passado, uma das
principais razões para a ignorância dos indivíduos era o fato de que muito
pouca informação circulava em sua sociedade. Parte do conhecimento era do
tipo que o historiador Martin Mulsow chama de “precário”, registrado apenas
em manuscritos e mantido escondido, porque as autoridades, tanto da igreja
como do Estado, rejeitavam-no. |
Hoje, paradoxalmente, a
abundância se tornou um problema que é conhecido como “sobrecarga de
informação”. Os indivíduos experimentam um dilúvio de informações e muitas
vezes não conseguem selecionar o que querem ou do que precisam, uma condição
que também é conhecida como “falha de filtro”. Como consequência disso, nossa
assim chamada era da informação “permite a difusão da ignorância tanto quanto
a difusão do conhecimento”. |
Fonte: Burke, 2023,
p.21. Organizado pelo autor.
Na estrada da vida já
ouvimos que “a ignorância é uma benção”. Verdade ou não o caminho é a busca do
conhecimento com senso crítico e no uso de métodos.
Sobre conhecimento: a partir
da obra de Peter Burke, Uma História Social do Conhecimento, de Gutenberg a
Diderot (grifo meu), nos apresenta diversos conteúdos que sustentam o tema,
vejamos:
“O que é conhecido sempre
parece sistemático, provado, aplicável e evidente para aquele que conhece. Da
mesma forma, todo sistema alheio de conhecimento sempre parece contraditório,
não provado, inaplicável, irreal ou místico”. Fleck (apud Burke, 2003, p. 128).
De todo modo, passar da
intuição para o estudo organizado e sistemático é muitas vezes um movimento
difícil, que pode levar séculos para se consumar. Esse foi certamente o caso do
que hoje é conhecido como “sociologia do conhecimento” (idem).
De acordo com as
considerações de Burke, a sociologia do conhecimento apresenta as seguintes
ênfases:
a. passou da aquisição e
transmissão para sua “construção”, “produção” ou mesmo manufatura”, que é
segundo o autor “uma inclinação pós-estruturalista ou pós-moderna na sociologia;
b. Há menos insistência
sobre a estrutura social e mais sobre indivíduos, sobre a linguagem e sobre práticas
como a classificação e o experimento. Destaca, ainda, que há menos ênfase na
economia e mais na política do conhecimento e nos “detentores do conhecimento”;
c. Esses detentores do
conhecimento são vistos como um grupo maior e mais variado do que antes. Os
conhecimentos práticos, locais ou cotidianos, bem como as iniciativas intelectuais,
são hoje levados a sério pelos sociólogos, especialmente os da escola dita
“etnometodológica”;
d. A nova sociologia do
conhecimento difere da antiga pelo seu interesse pela microssociologia, pela
vida intelectual cotidiana de pequenos grupos, círculos, redes ou “comunidades
epistemológicas”, vistas como as unidades fundamentais que constroem o
conhecimento e sua difusão.
Diante do conteúdo
apresentado até o momento porque ainda não trabalhamos com Abbagnano, e o
conteúdo inserido em sua obra Dicionário de filosofia, (grifo meu), lemos
que o fato é que ele teceu considerações diversas as quais remetem ao
entendimento de que:
a. A teoria do conhecimento
perdeu primado e significado desde que se começou a duvidar da validade de seus
pressupostos;
b. [...] a teoria do
conhecimento acabou perdendo o significado na filosofia contemporânea e foi
substituído por outra disciplina, a metodologia, que é a análise das
condições dos limites de validade dos procedimentos de indagação e dos
instrumentos linguísticos do saber científico.
c. De resto quando se fala
em teoria do conhecimento, não se entende apenas o problema do conhecimento do
modo como ele se configurou historicamente no mundo moderno – sou seja, o
problema de como atingir um objeto “externo” a partir de algum dado “interno” –
porém, mais em geral, entende-se toda e qualquer forma de reflexão filosófica
em torno do conhecimento, como quer que seja entendida ou praticada (2012, p.
213-215).
Mas o nosso texto é no
sentido de demonstrar que há muito por fazer. Para que se tenha uma ideia do
avanço na exploração das nuances construtivas do conhecimento, podemos citar o
lento avanço no campo da ciência sob o ponto de vista social, no qual, hoje, se
destaca a utilização da pesquisa qualitativa, com ênfase ao contexto de grupos
de indivíduos e as consequências, por exemplo, do avanço tecnológico. Alcançamos
nosso objetivo? Diante de tantas possibilidades e conteúdos diversos, sim. Mas
o termo “conhecimento” pode ser comparado a uma célula em constante
transformação e as consequências, provavelmente modificarão a vida humana e o
habitat no qual estamos inseridos e, devemos nos manter atentos e respeitando
todos pressupostos para produção do conhecimento.
Abaixo o leitor tem
disponível: Bibliografia. Para saber mais: indicação de outras obras.
Bibliografia:
Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. São
Paulo: Editora Martins Fontes, 2012.
Burke, Peter. Ignorância: Uma história global (Portuguese
Edition) (p. 13). Vestígio Editora. Edição do Kindle, (2023).
Burke, Peter. Uma História Social do
Conhecimento 1: De Gutenberg a Diderot (Portuguese Edition) . Zahar.
Edição do Kindle, 2003.
Harari, Yuval Noah. Sapiens: Uma
breve história da humanidade (Portuguese Edition). L&PM
Editores. Edição do Kindle.
Para saber mais:
Van Doren, Charles. Uma breve
história do conhecimento: Os principais eventos, pessoas e conquistas da história
mundial. (Portuguese Edition). Leya. Edição do Kindle, 2013.
Harari, Yuval Noah. 21 lições para o
século 21 (Portuguese Edition). Companhia das Letras. Edição do
Kindle.
Se você se sente impotente e confuso
diante da situação global, está no caminho certo. Processos globais são
complicados demais para que uma única pessoa os compreenda. Como então saber a
verdade sobre o mundo, e não ser vítima de propaganda e desinformação? (Harari, p. 222).